quarta-feira, 9 de março de 2011

A poesia como expressão cultural e teológica (I)

A análise teológica da poesia se dá através de dois olhares, a saber: o literário e o teológico. Este olhar bidirecional visa buscar uma compreensão da poesia enquanto elemento da cultura e, da poesia de Vinícius de Moraes como parte da cultura brasileira.

Faz-se necessário, nesta etapa do trabalho, estabelecer o contato existente entre poesia e cultura, mais exatamente da poesia enquanto elemento componente da cultura. Antes, porém, lançar-se-ão alguns olhares conceituais que nos auxiliarão na abordagem da obra poética em estudo neste trabalho.

Destacam-se neste trabalho alguns conceitos trazidos por Massaud Moisés , que os elabora ao longo de sua obra trazendo como tema a discussão em torno da poesia. Quando discute o conceito de literatura em seu trabalho ele a define da seguinte forma:

"(...) a arte literária consistiria na expressão dos conteúdos da imaginação, segundo um duplo movimento de representação:1º) as imagens seriam representações mentais de realidades sensíveis; 2º) os vocábulos constituiriam representações “objetivas” das imagens: as imagens seriam representações de primeiro grau, os vocábulos, de segundo, numa relação extremamente complexa que não cabe aqui discutir” .

Além desta citação com a qual se ilustra a maneira de sua interpretação percebe-se também no decorrer de suas discussões, que a literatura enquanto “expressão dos conteúdos da imaginação” constituí-se basicamente em três etapas: a) a literatura é um tipo de conhecimento expresso por palavras de sentido polivalente; b) a literatura é a expressão dos conteúdos da ficção, ou da imaginação, por meio de palavras de sentido múltiplo e pessoal; e c) a literatura constitui uma forma de conhecer o mundo e os homens: dotada duma séria “missão”, colabora para o desenvolvimento daquilo que o homem, conscientemente ou não, persegue durante toda a existência.

Destaca-se também a maneira como trabalha Massaud Moisés o conceito de poesia ao dizer que “... [a poesia] é a expressão metafórica do “eu” cujo resultado, o poema, pode ser em verso ou em prosa” e que “... a poesia é a expressão do “eu” por meio de metáforas”.

Na literatura esse tema vem sendo tratado com muito cuidado e respeito. Hernani Cidade é um dos autores que desenvolve esta discussão. Sua obra traz a conceituação de poesia como componente de sua respectiva cultura desde a Poesia Medieval, passando pelo Renascimento e Humanismo, pelos Quinhentistas, Barrocos, pelo chamado “Século das Luzes”, pelo Romantismo, pela reação Anti-Romântica, pelo Parnaso e Simbolismo, pelos movimentos poéticos do Século XX, e pela Experiência Supra-Realista . Ele traz para cada um desses estilos literários uma caracterização própria que tem relação com o contexto no qual cada um deles surgiu e se desenvolveu.

Aqui não há espaço para se refletir sobre todo esse trajeto da discussão de Cidade. Deseja-se destacar apenas a relação que ele estabelece entre a poesia e a cultura:

"A poesia, na verdade, transcende em seu mistério as limitações dos conceitos e das palavras; mas sendo, apesar de tudo, uma forma cultural, nela integrada por seu mínimo de conteúdo intelectual e por seu caráter de expressão de atitude espiritual individual e colectiva, não se lhe pode negar o constituir objecto da história – e como tal aqui entendemos".

A poesia também tem sido alvo de diversas investigações teológicas. O intento destas investigações é o de poder absorver da poesia sua maneira própria de ver a vida. Autores como Jean-Claude Renard, Juan Carlos Scannone e José Arguello, trabalharam mais particularmente com o diálogo entre a teologia e a poesia . Já Magalhães traz uma reflexão mais ampla para todo o âmbito da literatura . Estas diversas empreitadas do labor teológico dão apoio para a discussão que aqui se empreende. Veja-se, por exemplo, como Magalhães nos ajuda na busca pelo diálogo:

A poesia serve como revolta simbólica diante da crueza da vida, tornando esta possível de ser suportada a despeito de sua dureza. Por isso, a arte é a afirmação daquilo que de mais profundo pode ser experimentado na existência humana. Sua benção porque se revolta contra as atrocidades que se desenvolvem contra a vida; e sua deificação porque eleva esse sentido mais profundo ao sentido último, a um telos da existência .

Poemas podem ser observados teologicamente por causa de seu poder de expressar em e através de sua forma estética, como diria Tillich, aspectos daquilo nos preocupa de forma última . Percebe-se assim a importância da discussão teológica em torno da cultura, os argumentos dos métodos da correlação e as considerações literárias e teológicas do valor da poesia enquanto elemento componente da cultura, com vistas ao diálogo teológico-literário.

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